O rapaz que queria ser avançado e só foi à baliza porque um jogador amuou, estreou-se pela primeira vez na equipa principal do Sporting a defender um penálti. Adivinhem para que lado foi...
Ainda bem. Quando Rui Patrício resolveu ser futebolista, com 11 anos, não foi para ser guarda-redes como é hoje. Rui era avançado (como canhoto que é, mais descaído sobre o flanco) no Sport Clube Leiria e Marrazes, o clube “da terra”, o mesmo onde o pai e os tios, seis “Patrícios” ao todo, também foram futebolistas. O rapaz só deu em avançado por ser um “matulão”. Sobretudo por isso.
Certo dia, e depois de o guarda-redes titular do Marrazes ter amuado num treino e deixado o clube, o treinador olhou em volta e chamou o tal matulão. “Vais tu à baliza.” Mal sabia ele que Patrício nunca mais abandonaria os postes. E rapidamente se viu que era diferente dos demais. E quem “viu” primeiro foi o Sporting. Depois de disputar um torneiro em Pataias, Alcobaça, Patrício teve escrito sobre si um relatório. E esse relatório chegou às mãos de Aurélio Pereira, o homem-forte do recrutamento do Sporting, o mesmo que descobriu Futre, Simão, Quaresma ou Ronaldo.
Não teve dúvidas quando leu o que o olheiro escreveu: o Rui é para contratar. Já. Mas não foi logo, logo. E não foi porque a família Patrício era toda benfiquista dos sete costados. Não queriam ver o filho no clube rival. Valeu ao Sporting que Paulo Silva, o treinador de Patrício no Marrazes, convenceu a família a deixá-lo pelo menos treinar em Alcochete e depois logo decidiriam se assinava pelo Sporting ou não. Andou um ano inteiro a fazer “piscinas” entre Leiria e a margem sul do Tejo. Em sete dias que a semana tem, treinava duas vezes no Sporting, três no Marrazes e ao fim-de-semana defendia a baliza verde e branca. Ao fim de um ano, e quando por fim o Benfica se interessou por Patrício, já este tinha colocado preto no branco a sua vontade de ser “leão”. Estávamos no ano 2000 e o guarda-redes custou 1500 euros ao Sporting.
A estreia no Sporting foi a defender um penálti
Na formação do Sporting, onde partilhava o balneário com Daniel Carriço ou Adrien Silva, já Patrício defendia penáltis como defende hoje. Tornou-se a sua especialidade entre postes. E defendia, não só pela altura que tinha — acima do metro e oitenta ainda nos iniciados; 13 anos, portanto –, mas também pela elasticidade com que se atirava aos remates, pelo “sexto sentido” em adivinhar para onde seguiram, e pela invulgar envergadura de braços que nenhum outro miúdo daquela idade tinha.
Rui Patrício estrear-se-ia pelo Sporting ainda com idade de júnior. O balneário dos “graúdos” não lhe era necessariamente estranho, pois treinava com os seniores durante a semana. O seu antigo treinador dos Sub-19, Paulo Bento, chegara ao plantel principal do Sporting e queria-o por perto. Mas recordemos a estreia. Foi a 19 de novembro de 2006, no estádio dos Barreiros, diante do Marítimo. Patrício até tinha sido chamado à baliza do Sporting na pré-temporada, contra o Real de Massamá e o Deportivo da Corunha, mas tinham sido amigáveis a feijões. Na Madeira era a doer. O titular Ricardo lesionou-se antes do jogo, Tiago, o suplente, lesionou-se durante o próprio jogo, e Paulo Bento teve que chamar Patrício. Não foi feliz em tudo o que fez nessa noite. Mas não mais se esquecerá do penálti que defendeu aos 74′. Adivinhou o lado para onde Kanú ia bater: o direito. E agarrou o Sporting aos três pontos.
A estreia foi auspiciosa, mas Ricardo voltou à baliza e Patrício aos “seus” juniores. Só se tornaria titular na época seguinte. No começo, era o quarto guarda-redes de Paulo Bento. Quarto. Mas no início da época Ricardo saiu para o Bétis, o substituto Stojkovic não convenceu, tal como não convenceu o trintão Tiago. A baliza era do miúdo de 19 anos, que galopou na hierarquia da baliza, até ao topo, pouco depois de a época começar. À 11ª jornada, contra o Leixões, Bento lançou-o para não mais o deixar sair. Foi a 24 de novembro de 2007.
Haveria de chegar à Seleção também. Aliás, era titular por Portugal desde as camadas jovens. Apesar de ser titular do Sporting, Luiz Felipe Scolari nunca o fez titular por Portugal. Mas foi o “sargentão” quem lhe deu a primeira internacionalização, num amigável contra a Roménia, a 1 de abril de 2008, quando entrou a cinco minutos do fim. E levaria Patrício ao Euro 2008, onde este viu Ricardo ser titular desde o banco. Com Carlos Queirós nem ao Mundial 2010 foi. A estreia a titular só aconteceu pelas mãos de quem o conhecia melhor: Paulo Bento. Foi a 17 novembro de 2010, contra a Espanha. Não voltou a sair de lá. E “lá” é a titularidade.
Fez, até quinta-feira, dia do Portugal-Polónia, 49 jogos. O quinquagésimo foi contra os polacos, em Marselha. Só três guarda-redes têm mais encontros do que ele pela Seleção: Manuel Bento, Ricardo e Vítor Baía. E foi por pouco que Patrício não bateu o recorde deste último, que ainda hoje é o guarda-redes mais novo de sempre a chegar à marca da meia centena de jogos por Portugal. Vítor Baía tinha 27 anos, um mês e 29 dias quando foi titular, a 14 de dezembro de 1996, contra a Alemanha. Patrício, contra a Polónia, tinha 28 anos, quatro meses e 15 dias. Foi por pouco, sim.
Mas não é importante o recorde que não caiu. O guarda-redes dos Marrazes foi decisivo. E isso também é História. Durante o jogo, como em quase todo o Europeu até aqui, Patrício mal fez uma defesa. Mas teve que ser ele a resolver o jogo nas grandes penalidades. Lewandowski marcou, Milik também e Glik também não falharia. Até que chegou a vez de Kuba. E Kuba atirou para o lado direito, o mesmo para onde Kanú do Marítimo tinha atirado, e Patrício foi desviar a bola com a mão esquerda, tal como nos Barreiros, em 2006.
Patrício provavelmente não se recorda do guarda-redes amuado que o levou para a baliza com 11 anos. Nem nós. Mas, seja ele quem for: obrigado.
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